Colunistas
Morar nunca mais será igual

Grandes acontecimentos da humanidade sempre impactaram nossa forma de nos relacionar com nossas casas. Doenças como a tuberculose, que matou milhões de pessoas entre os séculos XVII e XX, fez com que elementos como carpetes e poltronas fossem limados dos banheiros. A segunda guerra mundial trouxe à tona o design pós industrial, inserindo em definitivo elementos como ferro, concreto, vidro e ângulos retos nos projetos. Apenas dois exemplos que indicam que com a pandemia do COVD 19, instaurada este ano, não seria diferente.

Várias serão as mudanças que experimentaremos daqui para frente em relação à nossa forma de ocupar os espaços, sobretudo a nossa casa.  Em primeiro lugar, vale ressaltar que a propagação do coronavírus nos deixou muito mais cuidadosos com a assepsia dos ambientes. Com isso, ventilação natural e superfícies de fácil higienização e desinfecção estarão no topo das prioridades.

Há algo, no entanto, um pouco mais subjetivo nessas mudanças.  Depois de termos estado confinados, quando no auge da quarentena, surgiu em nós um desejo irrevogável de ter uma relação mais saudável com a casa. A equação “8 horas de trabalho, 8 horas de lazer e 8 horas de descanso” foi desconstruída tanto no que diz respeito ao tempo, quanto no que diz respeito ao espaço.

De repente, nos vimos fazendo tudo ao mesmo tempo, num único ambiente: a nossa casa.  A relação inicialmente forçada com nosso próprio lar trouxe uma clareza sobre a importância de não nos sentirmos presos quando estamos dentro de casa.  Sobre ter ambientes que verdadeiramente representem a nossa personalidade. E sobre encontrar em casa a possibilidade de descansar, se divertir e trabalhar.

Agora, já não há mais espaço para improvisos. Se antes o home office ocupava um quarto que sobrou (ou, em alguns casos, até mesmo a mesa da sala de jantar), agora os novos empreendimentos já estão incorporando o ambiente na planta. Um edifício residencial que nosso escritório está executando no momento já oferece home office para todos os apartamentos.

As áreas de convívio também ganharam um novo significado. Se antes o estar podia passar quase que como um ambiente decorativo, agora ele passa a ser vivido intensamente e, portanto, precisa apresentar um novo conceito, no qual o bem estar e o conforto são prioridades. Um bom exemplo disso é o ambiente que apresento na atual edição da CASACOR Minas. Batizado de Estar Livre, o espaço é minha interpretação do que seria na pós-pandemia o espaço de estar ideal. Após termos ficado confinados e assimilado o quanto é fundamental sentir-se bem em casa, pensei num ambiente que retrata o conforto da sala, com cortina, móveis confortáveis, iluminação indireta, obras de arte, mas com as vantagens de estar num ambiente ao ar livre, com paisagismo e terra natural. É um jardim que é uma sala de estar e uma sala de estar que é um jardim.

Essas mudanças serão definitivas? Difícil afirmar qualquer coisa com certeza absoluta após termos vivido um ano tão atípico. No entanto, é inegável o poder disruptivo de tudo o que experimentamos em 2020. Viver nunca mais será igual. Morar também não. E a arquitetura está preparada para isso.

Jose Lourenço

Profissional premiado por obras ao redor dos 3 continentes e com vasta experiência em gestão de projetos residenciais, corporativos, hotéis e resorts, o arquiteto José Lourenço nasceu em Hong-Kong, formou-se em Arquitetura e Urbanismo em Lisboa e especializou-se posteriormente em Milão. Atualmente vive em Belo Horizonte de onde gerencia seu escritório de arquitetura e realiza trabalhos locais e em outros estados do país. Seu diferencial é atender projetos de forma personalizada, prestando uma assessoria completa ao cliente desde o início de sua contratação até a entrega final.